Edgar Martins nasceu em Évora, em 1977, e cresceu em Macau. Mudou-se para Inglaterra em 1996, onde completou a sua formação em Belas Artes e Fotografia, primeiro no London Institute e depois no Royal College of Art, em Londres. O seu trabalho está representado internacionalmente em inúmeras colecções e, nos últimos anos, recebeu prestigiosos prémios.
Fotografa com câmaras de grande formato e a sua obra tem variadas influências, desde a poesia à filosofia, passando pela fotografia documental e conceptual. Há uma ambiguidade e provocação constante na produção de Edgar Martins. Trata-se de uma fotografia que, segundo o artista, pretende despertar um espírito crítico nas pessoas que observam as imagens.
Edgar Martins vive e trabalha em Inglaterra.
Está patente em Coimbra, na sala da cidade, até 31 de Dezembro, uma exposição do último projecto do artista - The Rehearsal of Space & the Poetic Impossibility to Manage the Infinite.
De onde vem o interesse pela fotografia?
Para ser sincero, não me recordo. Tive alguns encontros com a fotografia, mas nada determinante. Só em 1996, aos 18 anos de idade, após ter editado um pequeno livro de poesias e dissertações filosóficas (esta foi a minha primeira tentativa de abordagem do mundo) é que tomei consciência de que queria estudar imagem visual. A forte componente visual do trabalho (inspirado na poesia Beat) serviu como incentivo.
Quando acabei o Liceu, em Macau, pesquisei exaustivamente cursos de Imagem Visual, na Europa, e foi aí que decidi estudar Fotografia e Belas Artes, em Inglaterra.
Como descreves a tua fotografia?
Fica algures entre o descritivo e especulativo, entre o real e o ficcional. No meu trabalho procuro constantemente suplantar a função documental da fotografia, de forma a conectá-la a um leque de referências mais lato, e também, de forma a questionar as expectativas e convicções do espectador e a forma como este se relaciona com o mundo à sua volta.
É por isso que procuro tópicos que nos arremessam para as antinomias da percepção e existência, que nos empurram para a exploração das fronteiras instáveis e das realidades volúveis…
Que equipamento e objectivas usas nas fotos que mostras aqui?
Usei apenas duas máquinas analógicas de grande formato: uma Toyo Field 4x5 e Toyo Field 8x10”, mas sobretudo esta última.
Quanto a objectivas : uma Schneider 90mm (em 4x5) e uma Rodenstock equivalente em 8x10”.
Por vezes utilizo também um pequeno flash manual.
E películas preferidas??
Kodak Portra 160 ou Kodak Ektar 100.
O facto de trabalhares com uma câmara de grande formato é uma escolha instintiva para a tua fotografia?
As máquinas de grande formato permitem uma abordagem muito mais reflexiva, mais introspectiva. O fotógrafo tem de estabelecer uma relação bastante mais intima com o seu sujeito/tema.
Trabalhar desta forma representa um espécie ponto de resistência ao mundo de fluxo e fluidez em que vivemos, como diz o filósofo Peter Osborne, a um mundo quase que assombrado por mobilidade e intangibilidade.
De um ponto de vista técnico, as máquinas analógicas de grande formato permitem um maior grau de controle sobre determinados aspectos formais da imagem (perspectiva, entre outros). Mas por outro lado, e paradoxicamente, também temos de abdicar de algum controle em áreas que historicamente sempre definiram a relação entre a fotografia/fotógrafo e o sujeito/momento fotográfico. Por exemplo, para além de nunca conseguir visualizar as fotografias que estou a tirar, em loco, quando se trabalha com longas exposições quase tudo se torna impossível de quantificar (o tempo de exposição, o próprio acto de focagem, etc).
A linguagem visual que resulta desta dialéctica é muito interessante.
Creio que já referi isto em entrevistas prévias mas aquilo que me motiva, hoje em dia, não são as possibilidades técnicas do medium mas as suas insuficiências, as suas carências.
Porque insistes em fotografar com película? Qual o peso de edição digital na fotografia final?
Não há dúvida de que têm havido grandes avanços no mundo digital mas o uso da película representa uma preferência pessoal.
Aquilo que estou constantemente a tentar recriar é aquela primeira experiência que temos no laboratório onde vemos a imagem fotográfica a aparecer, pela primeira vez (e quase que por magia), no revelador.
É por isso, que só vejo os frutos do meu trabalho quando os negativos são revelados e nunca em loco. Muitas vezes os resultados superam as expectativas e há acidentes fortuitos incríveis. Mas em muitas outras instâncias os resultados são uma verdadeira desilusão. Isto faz parte do processo e ter de abdicar de algum controle no acto de fotografar ou ter de regressar 2/3 vezes a determinados locais para os re-fotografar, não me incomoda muito.
Aliás esta é uma condição essencial para trabalhar num projecto: ter tempo para experimentar e estudar o tema/local com que estou a lidar.
Por outro lado, a película de grande formato (sobretudo em 8x10”), na minha opinião, tem características técnicas superiores à imagem digital, sobretudo quando se trabalha com longas exposições e grandes ampliações. O grão é mais natural, existe maior latitude de exposição, existe um maior grau de nitidez e detalhe nas sombras, etc.
O tratamento digital das minhas imagens assume pesos diferentes em trabalhos e imagens diferentes.
Pode ir do mero restauro à própria construção digital. Mas em projectos mais recentes tem havido menos recurso ao digital.
Nota-se nos teus trabalhos influências de fotografia de paisagem e fotografia documental, porém a concretização costuma ser subversiva. Podemos ver isso em projectos como The Accidental Theorist A Metaphysical, Survey of British Dwellings ou When Light Casts no Shadow, é isto a “fotografia que vê para além do real”?
No meu trabalho adopto deliberadamente toda uma série de abordagens diferentes: algumas imagens são aquilo que mais usualmente esperamos de uma fotografia – provas do mundo tal qual pensamos que ele é – ao passo que outras incrustam claramente na realidade um toque de ficção. Esses projectos a que te referes são um bom exemplo disso. Eles são definidos por uma presença intangível, mas de alguma forma persistente, do estranho familiar – um abismo cujo umbral oscila no limiar da credibilidade e onde a indexicalidade da imagem só pode ser mantida provisoriamente pela suspensão da incredulidade do espectador.
A força desses projectos reside no diálogo silencioso que eles estabelecem entre o mundo real e um mundo imaginário. Esta estratégia exige uma participação muito mais activa da parte do espectador, que é assim convidado a assumir um papel principal na encenação das narrativas e ideias implícitas no trabalho.
Este é quase sempre o desafio, mesmo em projectos como The Time Machine ou a A Impossibilidade Poética de Conter o Infinito, onde há partida se assume uma abordagem bastante mais documental.
As centrais hidroeléctricas da EDP e instalações da ESA (Agência Espacial Europeia) são inexoravelmente heterogéneas, lugares onde existe uma convergência, sobreposição desfocarem de sentidos, funções e temporalidades. De forma que o principal desafio que se me colocou, nestes projectos, nem foi um de acesso ou relacionado com questões logísticas ou operacionais, mas o de desenvolver uma abordagem simultaneamente descritiva e especulativa, documentando o valor científico e histórico dos objectos e espaços mas também desconstruindo esses mesmos espaços e objectos, revelando assim as suas derivações poéticas e as suas ressonâncias culturais e ideológicas.
Referências na fotografia? algum fotógrafo decisivo na tua vida para também quereres ser fotógrafo?
As minhas referências nunca vieram do campo restrito da fotografia, mas sobretudo do mundo da arte e literatura.
Mas é claro que tenho referência fotográficas: desde a escola de Dusseldorf (os Beckers, o Jorg Sasse, o Elger Esser), aos Amerianos clássicos como o Walker Evans, a fotógrafos conceptuais como o Patrick Tosani, o Oivier Richon, o John Stezaker, entre vários outros. Mas também sou influenciado pelos meus contemporâneos.
O Sagrada Película sabe que estás a finalizar um projecto que foi feito com a BMW, queres falar um pouco desse trabalho?
O projecto com a BMW está finalizado. Intitula-se 0.00.00 e como referi em cima representa uma espécie de ponto de reflexão/resistência ao mundo de fluxo e fluidez em que vivemos. Parte de uma premissa muito simples: abrandar/parar o tempo. Algo que não é fácil numa fábrica automóvel…
O projecto será lançado e editado para o ano.
Projectos para o futuro?
Estou neste momento a produzir um projecto incrível com o Instituto de Medicina Legal. É um projecto provocativo, que marca um claro corte com os meus anteriores projectos, tanto nos conteúdos, como na metodologia e esteticamente, e que tem como objectivo escrutinar a nossa relação com a morte e os conceitos de mortalidade e finitude.
O projecto procura expor e manter em tensão muitas das contradições e problemas inerentes à representação da morte (revelando, assim, a fragilidade dos nossos sistemas cognitivos e de percepção) e, simultaneamente, procura compreender, através de uma narrativa fundamentalmente humana, o que representa a morte.
O que te inspira?
A mesma coisa que me frustra: a condição humana.
Mas na verdade sou inspirado por quase tudo, desde o micro (ver a dinâmica de um formigueiro, por exemplo) ou macro (o espaço, o infinito, o desconhecido).
Untitled (10:25 pm, Oeiras, Portugal)
The Accidental Theorist, 2007
Untitled (11:15 pm, Oeiras, Portugal)
The Accidental Theorist, 2007
Untitled (Santa Maria - 65m exp.)
When Light Casts no Shadow, 2008
Untitled (Santa Maria - 55m exp.)
When Light Casts no Shadow, 2008
Old StreetA Metaphysical Survey of British Dwellings, 2010
High Street
A Metaphysical Survey of British Dwellings, 2010
Lindoso power station: control room (frontal view)The Time Machine, 2011
Fratel power station: machine hallThe Time Machine, 2011
Pocinho power station: equipment unloading dock (view from the machine hall)The Time Machine, 2011
Entrance to Compact Payload Test Range for antenna testing (CPTR), ESA-ESTEC, Noordwijk (The Netherlands)The Rehearsal of Space & the Poetic Impossibility to Manage the Infinite, 2014
S5 payload preparation complex – spacecraft fuelling bay, CSG-Europe's Spaceport, Kourou (French Guiana)
The Rehearsal of Space & the Poetic Impossibility to Manage the Infinite, 2014
Mobile gantry for the Vega launcher, seen from underneath, CSG-Europe's Spaceport, Kourou (French Guiana)
The Rehearsal of Space & the Poetic Impossibility to Manage the Infinite, 2014
Mockup of Node 2 or Harmony in the Erasmus high bay, ESA-ESTEC, Noordwijk (The Netherlands)
The Rehearsal of Space & the Poetic Impossibility to Manage the Infinite, 2014
Interior of Large Space Simulator vaccum chamber, ESA-ESTEC, Noordwijk (The Netherlands)
The Rehearsal of Space & the Poetic Impossibility to Manage the Infinite, 2014
Todas as fotografias da autoria de Edgar Martins e publicadas com permissão.
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